Não são todos Elon Musk
O mundo está a mudar e também acontece aos agentes da mudança e da inovação, como Elon Musk, estagnarem.
Elon Musk veio outra vez por toda a gente a falar dele, desta vez por causa da ordem que deu aos executivos da Tesla de regressarem a full-time ao escritório, indicando inclusive que isso de trabalhar em casa é coisa a fingir. Aqueles que não queiram regressar, escreveu no Twitter, “should pretend to work somewhere else”.
Na nota enviada lê-se que “anyone who wishes to do remote work must be in the office for a minimum (and I mean *minimum*) of 40 hours per week or depart Tesla”.
Portanto, só 40 horas por semana é que terão de ser no escritório, o resto do tempo pode ser a trabalhar em casa ou noutro sítio qualquer. De facto, não se percebe tanto alarido... O Elon continua a ser uma inspiração.
Sarcasmo findo, ele dirigiu-se aos colaboradores com cargos de executivos, aliás, como frisa no email interno - “This is less than we ask of factory workers”, alegando ainda que quanto mais elevado for o cargo maior terá de ser a presença nas instalações. Visto assim, nem pareceria mal, certo? Mas enferma de uma visão doentia e faz-nos pensar que trabalhar na Tesla deve ser muito pouco saudável.
Na verdade, cada CEO gere a sua empresa como quer e Elon Musk é um workaholic nada anónimo, que apenas exige aquilo que já deu e em que acredita: “No one ever changed the world on 40 hours a week”, disse uma vez.
Elon Musk, porém, está a ficar fora de moda. Já há poucos que queiram ser como ele. Ainda antes da pandemia, muitos gurus da tecnologia começaram a aceder a um cada vez maior work-life balance, e fazem meditação, e criam apps de esiritualidade e mindfulness, e contratam pessoas em todo o mundo que tanto podem trabalhar numa praia em Bali como numa varanda em Lisboa. Muitas startups e empresas maiores funcionam já na base da semana de quatro dias. Muitos team-buildings, talks e artigos de opinião têm sido feitos por responsáveis e gestores de grandes tecnológicas sobre o bem-estar dos empregados e de como isso é cada vez mais um fator de atração e retenção de talento.
Ainda não são todas as pessoas, e em todas as áreas, que podem escolher as empresas onde querem trabalhar, infelizmente isso não é a realidade da maioria, mas para lá se caminha e acredito que o Elon Musk está a caminhar para trás, do alto do seu sucesso e cegueira produtiva de quem dorme no chão da fábrica.
O mundo está a mudar e também acontece aos agentes da mudança e da inovação estagnarem.
Três razões de base para as empresas adotarem uma filosofia remote:
· Trabalhadores mais felizes são mais produtivos – a ideia de que as pessoas que querem trabalhar remote é porque dessa forma trabalham menos é disparatada. Quem trabalha menos em casa é porque também já não trabalhava grande coisa no escritório, ou então é porque a empresa não tem os processos organizados, ou porque os gestores não sabem como gerir e liderar equipas fisicamente dispersas.
Pelo contrário, os trabalhadores que optam pelo teletrabalho, incluindo num sistema híbrido, fazem-no porque se concentram melhor e porque lhes facilita a vida (ou não queremos pessoas com a vida facilitada para produzir melhor?), ao pouparem nas deslocações ou por poderem viver no campo ou numa cidade mais barata, por exemplo. Ter mais tempo para viver é também ter mais tempo para produzir.
Trabalhadores com a vida facilitada facilitam a vida aos seus empregadores e estão motivados a dar o seu melhor. Se não for o caso, então reavalie-se a gestão ou a continuação do trabalhador. Importante é dar essa opção, porque nem todas as pessoas gostam e nem todas conseguem funcionar em remote.
· Facilitar o recrutamento – numa altura em que contratar e manter as pessoas com talento nas empresas é muito difícil, pagar bem já não chega. As pessoas querem viver para além do trabalho e ter a opção de trabalhar de casa, ou de uma qualquer parte do país ou do mundo, é cada vez mais um critério de seleção e pode ser uma vantagem competitiva para o recrutador.
· Poupar em meios e recursos – é óbvio que uma empresa que seja remote, mesmo que não seja remote first, poupa em escritório e nas despesas de manutenção das instalações. Mesmo tendo de pagar ao trabalhador, e bem, suplementos para custos de energia, por ex., compensa. E também se poupa no ambiente – menos trânsito, menos poluição, maior qualidade do ar e da vida.
É evidente que nem todas as empresas e áreas de atividade podem aderir ao trabalho remoto, mas todas aquelas que o podem fazer e não o fazem vão ficar, mais cedo ou mais tarde, pelo caminho.
Uma reflexão com muito sentido de oportunidade... é inevitável a mudança... o mundo das relações laborais requer adaptações, como tudo neste mundo!
Depois de quase dois anos a assegurar tarefas em casa, por vezes com exigências acrescidas por causa da crise e em condições inferiores ao ideal, parece-me desrespeitoso - senão mesmo altamente ofensivo - restringir a política de teletrabalho com o argumento de que os trabalhadores, em casa, aproveitam para fazer pouco.
Devo dizer que esta postura retrógrada
do Musk me surpreendeu, não estava à espera.