Não perguntes a idade, pergunta quantos anos já viveu
A idade não é apenas um número, é a principal condicionante do nosso estado de espírito e de vida. Há idades certas para fazer as coisas? Há projetos que devemos descartar a partir de uma certa idade?
Mesmo que a idade fosse apenas um número, os números importam. O peso e as dimensões das coisas, as distâncias, as durações, as horas de trabalho, quantos dias faltam para as férias, quantos dias faltam para acabar as férias - vivemos obcecados por números. A idade é dos que mais contam, e normalmente pelos motivos errados.
Envelhecer, sobretudo para as mulheres, influencia a atitude perante a vida. Limita o tamanho do cabelo, a altura da saia, a tonalidade dos cabelos, o comprimento das mangas, a exuberância dos acessórios, a idade dos parceiros. Quem não se deixa limitar é vista ora como um exemplo - sim senhora, precisamos de mais Iris Apfel -, ora como excêntrica - que maluca, aquilo já não é para a sua idade; nunca como normal. Ninguém fica indiferente, pela positiva ou pela negativa, a uma pessoa que não age “de acordo com a idade”.
Que regras são essas? De onde veio a mania que a partir de um certa idade não se deve vestir isto ou fazer aquilo? Há idades certas para fazer as coisas? Há projetos que devemos descartar a partir de uma certa idade?
Na teoria, todos achamos que não, daí a célebre frase “a idade é apenas um número”. Na prática, continuamos a viver de acordo com a idade do cartão de cidadão.
É claro que a idade não é apenas um número. Ter mais idade é ter mais experiência e sabedoria (supostamente), e também é ter mais chatices de saúde, mais vulnerabilidades físicas, mais responsabilidades. Contudo, fora as naturais alterações orgânicas que inviabilizam certas ações (nomeadamente a maternidade) ou dificultam a nossa velocidade e resistência, porque haveremos de sentir que já estamos velhos para abrir um negócio, casar, mudar de estilo, viajar, arranjar emprego, estudar, festejar e vibrar com a vida?
A invisibilidade é talvez dos piores pesadelos que enfrentamos quando a idade avança.
Ainda há pouco tempo, uma amiga dizia-me o quão dificil é encontrar um homem no Tinder (e fora dele) que não procure mulheres 10 anos abaixo da sua idade. Não podemos mudar o que os homens (e as mulheres) pensam, mas tão pouco tem de interessar o que eles pensam. Se não se encontram homens de jeito no Tinder ou nos círculos da vida, mude-se de plataforma, mude-se de sítios, mude-se de homens.
Se o mundo ainda torna invisíveis as mulheres acima de uma certa faixa etária, vamos ser visíveis com quem nos vê. Dito de outra forma, vamos apostar na força da comunidade. Estejamos com as nossas mulheres, deixemos de lado a competição feminina e celebremos o tempo com quem nos vê, com quem sempre nos reconhecerá, em vez de combater quem nos negligencia.
Perdemos demasiado tempo na vida a lutar por reconhecimento externo, em vez de construir o que queremos com quem pensa como nós. E isto aplica-se a tudo.
O testemunho da Isabel Allende e a dica da Diane von Furstenberg
Recentemente, comecei a ouvir alguns podcasts enquanto caminho ou faço alguma tarefa doméstica.
Um dos que tenho ouvido é o Wiser Than Me, da maravilhosa Julia Louis-Dreyfus, a eterna Elaine de Seinfeld. Jane Fonda, Diane von Furstenberg, Fran Lebowitz, Carol Bunett, Isabel Allende, são algumas das mulheres acima dos 70 anos com quem a Julia gets wise with. Estas conversas mexem comigo. Nas suas imperfeitamente fantásticas vidas encontro um ponto em comum - estão de bem com a idade, e não é conversa fiada.
Isabel Allende perdeu uma filha, a Paula, e só isso deveria ter sido o suficiente para arrumar a vida a um canto e ficar só a respirar até ao dia da partida. No entanto, afirma com toda a convicção ser uma pessoa profundamente feliz, sem qualquer pressa de morrer, mas também sem medo. Isabel vive, acima de tudo, de forma intencional:
”You need to have good health to have a good old age; you must prepare for it. It doesn’t just happen. In the same way, you will have good skin if you take care of your skin; otherwise, it won’t happen. You have to prepare for everything intellectually. Your domestic life, the way you live, the way you think, the way you eat, your relationships. I don’t think it will happen just by chance.”
Diane von Furstenberg, cuja vida e obra desconhecia, a não ser a sua famosa criação do vestido envelope, deixou-me uma grande impressão. De todas as mulheres wiser than me que ouvi até agora é aquela que parece gostar verdadeiramente de envelhecer, e assina a sua atitude com um desafio que bem podíamos abraçar:
"I would change the word ‘aging’ and say ‘living.’ Instead of saying 'how old are you?' people should say 'how long have you lived?'".
A idade como currículo e conquista. A alegria de ter vivido tanto de bom como de mau, e continuar. A vontade de ganhar anos de vida ao invés de perder tempo a lamentá-los. Faz tanto sentido.
Gosto tanto da tua escrita...