Mulheres com poder dão poder às mulheres
Eu cheguei a ser contra quotas, porque me chocavam, porque achava que era uma forma de nos humilharmos, pedincharmos por um lugar que temos é de ocupar por mérito. Mudei de opinião.
“La femme serait vraiment l'égale de l'homme le jour où, à un poste important, on désignerait une femme incompétente.”
Françoise Giroud, Le Monde - 11 de Março de 1983
“A mulher seria verdadeiramente igual ao homem no dia em que uma mulher incompetente fosse nomeada para um cargo importante.” Aqui está uma citação que uso muito quando converso sobre os temas da igualdade de género, porque me marcou desde a primeira vez que a ouvi em miúda. Muita gente crê que é da Simone Beauvoir, eu cheguei a pensar que era da Camille Paglia, mas é da Françoise Giroud, jornalista, escritora e política, secretária de Estado da Condição Feminina e ministra da Cultura francesa, falecida em 2003.
É óbvio que a Françoise não queria, nem ninguém quer, mulheres ou homens incompetentes em cargos de poder, e eu disse muitas vezes ao longo da vida ativa que não queria quotas, nem eventos para mulheres, nem que me convidassem para isto ou para aquilo só porque sou mulher. Eu cheguei a ser contra quotas, porque me chocavam, porque achava que era uma forma de nos humilharmos, pedincharmos por um lugar que temos é de ocupar por mérito.
Ora, mudei muito desde essa opinião de juventude ingénua e privilegiada.
Serão por mérito todos os lugares ocupados por homens ao longo do tempo?
Antes de chegarmos à verdadeira igualdade - em que já não haverá artigos de revistas a glorificar as mulheres que conseguem fazer tudo com títulos “mulher, mãe, empresária e ainda arranja um tempinho para ser ativista e ginasta acrobata e fazer mediatação diariamente”, nem jornalistas a fazer as perguntas idiotas que nunca fazem a um homem: “como consegue conjugar o trabalho com a família e os filhos?”-, portanto, antes de chegarmos à verdadeira igualdade, em que será tão natural como a nossa sede ter homens e mulheres em cargos de poder máximo, alto, intermédio e nas bases, e pelos lados todos, temos de fazer por isso. Temos de ter quotas, temos de organizar iniciativas e campanhas, e bater na mesma tecla nas escolas, em casa, nas empresas, onde houver homens e mulheres, de todas as idades e proveniências sociais e académicas.
O exemplo mais recentemente mediático foi o do Conselho de Estado. Como é que as mulheres deputadas dos dois maiores partidos com assento na Assembleia da República deixaram que aquilo acontecesse, que nem uma mulher integrasse a lista das cinco personalidades que preenchem a quota parlamentar daquele órgão? Tenho para mim que as deputadas, como todas nós tantas vezes, não quiseram comprar guerras, não acharam importante. Pois é precisamente isso que não pode acontecer, temos de comprar guerras todos os dias e em todas as situações da vida em que ainda não é normal a presença de mulheres, porque enquanto não for normal, temos de fazer com que seja e com que seja possível as mulheres estarem e terem acesso equitativo.
Aponto o exemplo da Câmara Municipal de Lisboa, onde há anos que são ligeiramente mais as mulheres em cargos de chefia do que os homens, e já ninguém acha isso diferente.
As mulheres dirigentes na autarquia da capital já não são consideradas heroínas sob esse ponto de vista de ter alcançado o inalcançável. Já não é uma coisa inalcançável, já é normal. Eu própria fui dirigente na CML, e depois de mim outra mulher veio e antes de mim um homem esteve. E não fui convidada nem preterida por ser mulher, fui-o por mérito e confiança depositada em mim, o que é o que se ambiciona para homens e mulheres.
Todas e todos podemos e devemos lutar diariamente por isso, mas cabe sobretudo a quem está em cargos de poder e de maior visibilidade lutar ainda mais, para abrir caminho, para inspirar mais mulheres, estando atentas, não entrando em piloto-automático, não dando por garantido o bem porque na sua vida até não correu mal.
Há vozes que têm mais alcance do que outras para mudar o estado das coisas, e são essas que não podem deixar acontecer o indefensável; como aquela capa de jornal com 100 por cento de homens a darem as suas visões sobre o futuro do país, um Conselho de Estado envelhecido e sem um pingo de diversidade, ou os painéis e painéis de conferências sempre com os mesmos rostos masculinos e uma ou outra heroína lá pelo meio.
Algumas mulheres em situações de poder gostam dessa exclusividade e divindade que lhes é atribuída, pois caramba, muitas lutaram que se fartaram para lá chegar, na maioria das vezes mais do que um homem, e de alguma forma inconsciente não querem ver-lhes tirado esse poder distintivo. A infame competição feminina que não devia ter transitado para o século XXI e que nos retira em poder coletivo o que somamos em vaidade pessoal.
Acredito que o poder multiplica-se, quantas mais formos mais poder todas teremos e poderemos passar a outras. Não queremos um feminismo elitista, certo? Há outros fatores que contribuem para a desigualdade; não lutamos todas com as mesmas armas, os mesmos círculos de amigos, a mesma cor de pele, as mesmas capacidades físicas, as mesmas famílias. Também não queremos todas os mesmos cargos ou carreiras - o poder está investido de muitas formas, mas que em todas elas possamos ter igualdade de acesso e de escolha.
Não queremos os títulos da “empresária e mãe” nas revistas e nos palcos, queremos mais exemplos e histórias de mulheres de diferentes backgrounds a fazerem o que gostam e o que desejaram, para que isso seja cada vez mais normal e possamos chegar a um dia em que não vamos ter de preocuparmo-nos com “então e temos mulheres aqui? E não são só brancas e de classe média/alta?”
Sim, é verdade que algumas séries da TV têm argumentos que parecem forçados, que algumas conversas já soam ridículas, que já nada parece natural quando se organiza alguma coisa, que há um politicamente correto que enerva um bocadinho, que há exageros (ó Deus, se há)... mas sabem de uma coisa? Ainda não é suficiente. Enquanto não for natural, não é suficiente.
Por isto e por aquilo
Mais gostos do que desgostos
Como apagar as nossas contas das redes sociais?
Fazem-me sempre alguma confusão os posts a anunciar que se vai sair das redes sociais. Percebo que é uma questão de boa educação, afinal esteve-se bastante tempo a privar com uma série de amigos e conhecidos. Eu também faço questão de despedir-me quando saio de uma festa, nunca fui do “sair à francesa”. Apesar disso, os textos de final de ciclo nas redes soam-me sempre a uma conversa do próprio a convencer-se que está a fazer a coisa certa e pelo caminho a tentar convencer os outros do mesmo, como se quem fica ainda não tenha visto a luz. Intriga-me particularmente quem mês sim, mês não, anuncia a saída. Eu também mudo muitas vezes de opinião, mudar de opinião é uma coisa maravilhosa, no caso do desligar das redes é que eu acho que niguém quer saber, sai-se e entra-se e sai-se e pronto. Na verdade, ao fim de uns dias já ninguém quer saber. Na maioria dos casos (há sempre uns mais insubstituíveis), o lugar facilmente será ocupado por outros talentos. “Quem não aparece, esquece”.
Embora funcionem de maneira bem diferente, as redes sociais são iguais naquilo que compõe a sua oferta – pessoas, no seu melhor e no seu pior. Pessoas e dados. Em todas as redes somos nós o produto, numa imensa teia de gostos, perseguições, desabafos, interesses, obsessões. Os dados que nos retiram são todos dados por nós, em palavras, atos e omissões.
Para quem esteja farto, aqui fica a resposta à pergunta “como apagar as contas das redes sociais”.
Johnny Depp forever
Sou team Johnny Depp desde sempre. Era só isto.
Rizoma
Tornei-me recentemente cooperante da Rizoma. A cooperativa que começou na Mouraria como mercearia comunitária – com produtos locais, bio e sustentáveis -, mudou de bairro, para a freguesia de Arroios (na Rua José Estevão, a meio caminho entre os Anjos e a Estefânia, perto do Jardim Constantino), e alargou as instalações e as áreas de atuação. Além da mercearia, tem agora também um espaço de cowork e vai ser uma porta aberta para eventos e muitas oportunidades de fazer o bem em comunidade. Se queres ser cooperante, inscreve-te numa sessão aqui
Freelancers e trabalhadores independentes que queiram uma ajuda para desenvolver a sua atividade, reduzindo os encargos fiscais e de contabilidade, também poderão encontrar aqui um bom porto.
Millie!
A minha celebridade preferida no Instagram é a Millie , uma menina com Síndrome de Down que me enternece e inspira, e não raras vezes me deixa uma lágrima entre sorrisos. Há várias famílias a partilhar as suas vidas com filhos com deficiências no Instagram, e há quem defenda que é uma exploração da imagem, uma comercialização. Não sei dos outros, acho que cada um faz o que pode para lidar com situações menos favoráveis e acredito que ajudam outros pais a lidar com as adversidades de ter um filho com limitações para as quais a sociedade não está ainda preparada. Sei que a famlia da Millie é espetacular, um exemplo de dedicação e de como é possível tornar o dia a dia desta miúda ao mesmo tempo especial e normal, partilhando a sua jornada e aprendizagens. Cada pequeno passo é celebrado com a mais genuína alegria e é uma ternura ver a interação da Millie com a sua irmã mais velha e com o cão Dude, dois motores de motivação.
A Millie tem o sorriso e as bochechas mais lindos do mundo.
Somos todos uma Tábua Rasa?
A Fernanda Paulo, Fernandinha como carinhosamente a tratam os amigos, foi uma das minhas boas aquisições de 2021, e é uma artista - atriz, cantora, contadora de histórias - impressionante. Tive a oportuidade de assistir à estreia do espetáculo no Centro Cultural das Caldas da Rainha, sua terra natal, e garanto-vos que é impossível sair de Tábua Rasa sem nos relacionarmos com a performer.
Bilhetes à venda
Café antiprocrastinação para escritores
Foi a ideia mais cómica que vi nos últimos dias – um café em Tóquio onde os clientes são obrigados a cumprir as suas tarefas de escrita, com um deadline imposto e cronometrado. No Manuscript Writing Cafe, que se tornou num co-work, os escritores só saem de lá (estão a pagar à hora) quando cumprem o número de palavras que definiram à entrada. Acho o espaço um pouco abafado, mas o conceito é giro. A minha amiga Cris é que me mostrou isto e quer muito ser a primeira cliente se abrir cá. Fica a ideia de negócio.
En Casa, na HBO
Das boas descobertas que nos remetem para um passado recente da pandemia, em que vivemos isolados. “En casa” são cinco curtas-metragens de cinco realizadores espanhóis, filmadas exclusivamente em casa durante o cofinamento, em 2020.
O cinema não imita, é.
Percorrer a pé todas as ruas de uma cidade
Aqui está aquela que parece ser a trend urbana mais recente. Muito interessante o que o The Guardian publicou sobre “the explorers who walk every street in their city”, e que me remeteu de alguma forma para o que escrevi há tempos por aqui .
Foi a Laura Alves, que conheço do Facebook, e que sabe bem o que é andar a pé e de bicicleta em Lisboa, quem me alertou para o artigo.
E assim vos deixo, com o desejo de muitos e bons passeios nas cidades da vossa vida.
Até já!
Ana
Muito interessante esta apresentação de diferentes temáticas! Adorei ler! Como sempre! E sem ser suspeita...