Medo
Não é o medo que me move, é o amor. O medo pode paralisar, mas quando se tem amor escolhemos avançar na direção que nem sempre é a mais fácil ou a mais atrativa
Nos últimos tempos tem-me chocado, desiludido e ofendido a forma como algumas pessoas dizem “não devemos viver com medo”, levianamente criticando quem mais se tem resguardado de interações sociais por medo de ser infetado, e infetar os outros!, pelo vírus da Covid.
Como se as pessoas que se recusam a ir a jantares com amigos em restaurantes e convívios em casas particulares, viagens e passeios em grupo, por exemplo, ou que insistam no teletrabalho sempre que a função assim o permita, estejam a ser umas coninhas, umas traidoras.
“Tenho feito a minha vida normal” oiço tantas vezes. Não sei como alguém neste mundo, nos útimos dois anos, conseguiu fazer uma vida normal. Essa ilusão de que temos de ser sempre a mesma coisa, sob pena de parecermos amedrontandos faz-me uma imensa confusão. Mudar a vida, sobretudo em função de um bem maior que é a saúde pública e a proteção dos mais fracos, é que me parece ser a atitude normal. Incluindo nos mais fracos não só os idosos, mas também toda a população ativa que não tem o privilégio de poder trabalhar de casa nem de andar de carro particular.
Eu adoro festas, adoro estar com amigos, sou uma aficionada da noite, dos copos e das conversas intermináveis, adoro abraços, beijos, sou sociável, sou pessoa de pessoas. Confesso que algumas durante este tempo não me fizeram falta alguma, algumas nunca mais virão a fazer falta. É triste, mas é a verdade. Outras redobrei em amor e saudades. Dói-me muita a sua falta, muito mesmo. Algumas nem imaginam isso.
Fiz, tal como muitos amigos, opções. Escolhi fintar a doença ao máximo. Embora numa ou outra fase da pandemia me tenha sido possível estar um pouco mais à vontade, nunca entrei em maluqueiras e mantive ao máximo o distanciamento. Tenho, admito, muito medo das sequelas deste vírus. E não tenho vergonha de o dizer. O meu maior medo, contudo, tem sido sempre a minha mãe, que com 86 anos e sendo viúva, e tendo tido um acidente no verão que a tornou mais vulnerável físicamente (emocionalmente, espero que me calhe em herança a sua fé e a sua força), leva-me a mover montanhas de abdicação de momentos de divertimento e de desenvolvimeto profissional a que hei-de regressar.
Não é o medo que me move, é o amor. O medo pode paralisar, mas quando se tem amor escolhemos avançar na direção que nem sempre é a mais fácil ou a mais atrativa.
Jantares que recusei pré-Natal, por exemplo, tinham-me valido deixar a minha mãe isolada numa época especialmente difícil e significativa para ela e para a família.
Felizmente partilho a minha vida com uma pessoa que tem a mesma forma de estar, e tenho muitos amigos que também. Outros, que não são tão ninjas na cena Covid como eu, percebem e respeitam. E lá estaremos todos daqui a um tempo, que irá chegar, a abraçar-nos.
A vida para todos os sobreviventes nunca parou durante este tempo. Niguém deixou de viver. Viveu-se de maneira diferente, e felizes os que puderam escolher, e abdicar de certas coisas e de certos meomentos e de certas experiências. Nem todos têm essa hipótese.