Eles estão de volta, os cigarros. E não só.
Durante anos, fumar desapareceu dos guiões das séries e filmes, ou era um ato que aparecia ligado apenas a circunstâncias de vida negativas. Recentemente, voltou a ser normalizado. Já repararam?
Calma, não voltei a fumar. Só se fosse doida. Depois de 5 anos livre do mais gostoso vício de todos, não me ia agora dedicar a isso. Deixei de fumar no dia 12 de junho de 2017, ou como costumo dizer, no dia da noite de Santo António, e todos os anos recordo o milagre que fiz acontecer com auxílio da hipnose. Não tenham dúvidas, como escrevi neste post, houve muito ego e vaidade.
Mas eles, os cigarros, estão de volta aos ecrãs. Mais ou menos subtil, nalgumas séries, nalguns filmes, não necessariamente mainstream, antes algo marginal que começa a ser aceitável. Não como um vício típico das personagens cheias de moléstias físicas e emocionais, ou caídas em todo o tipo de desgraças, mas como um apego subversivo chique, um ato de indulgência. “Porque eu tenho direito”. Se tenho direito a beber um copo de vez em quando, ou a comer um doce, porque não posso fumar às vezes? É este o racional por detrás das personagens descritas nos guiões de séries como o Sexo e a Cidade (And Just like That), ou a mais recente Irma Vep, ambas HBO, em que a heroína Alicia Vikander começa logo o primeiro episódio a dizer aquela frase que há muito não digo e há muito não ouvia “Vamos fumar um cigarro?”
P E R I G O! Ouviram? P E R I G O!
Porquê?
Porque apenas uma fatia muito pequena da população consome tabaco esporadicamente sem estar viciado, apenas por prazer. São aqueles privilegiados que fumam um ou dois cigarros quando saem à noite, ou numa ocasião especial, de forma social e impassível de vir a dominar-lhes a vida diariamente. Conheço apenas duas pessoas assim, e olhem que eu conheço muita gente.
Por outro lado, como as personagens que vemos a fumar são a sexy atriz a fazer de atriz em Irma Vep e a glamourosa Carrie Bradshaw, a retomar esporadicamente em And Just Like That o prazer do cigarro depois de enviuvar… F***!, é mesmo isso, é bom, dá prazer, combina com o estilo, é só um, vamos lá.
Noutro registo de estilo, temos a maravilhosa Natasha Lyonne, a Nadia de Boneca Russa (Netflix) - se ainda não viram então não o sei o que andam a fazer nesta vida -, que não larga o cigarro um minuto, assim como quase todas as personagens da série.
O cinema e a televisão começam a glamourizar de novo o tabaco. É o que é. Não sei bem ainda porque é que o é. Lobby tabaqueiras? Parece-me uma explicação simplista. Não acho que se deva proibir, apenas estar atento e consciente.
Fui pesquisar sobre isto, para confirmar que não é apenas um impressão minha, e parece que a tendência ainda é mais expressiva do que eu pensava, para além das séries, o cinema está a encher as salas de fumo.
É tão bom, não foi?
Existe também uma espécie de retro-comeback do cigarro.
Estamos a viver uma tendência de regresso ao passado. Os criativos estão a projetar os símbolos e a estética dos anos 70, 80 e 90, usando as mais valias do presente – o streaming, a tecnologia multimedia, as redes sociais, as comunidades digitais – para potenciar ao máximo, por um lado, o alcance das memórias dos que viveram essas épocas, e por outro, os desejos das novas gerações.
São disso exemplo, só para citar algumas das criações de que gosto muito, séries como a Boneca Russa (Netflix), Os Goldberg (Fox Comedy) e Stranger Things (Netflix) – que já estava no meu top 10 de séries favoritas e agora, com a temporada 4 sagrou-se membro efetiva do top 5. Ou, em português, o comovente filme do Variações e das Doce, as séries Conta-me como foi e Glória, entre outros, pois começamos finalmente a olhar para a nossa história sem medos.
Ora, anos 70, 80 e 90 pedem cigarros, fumava-se em todo o lado, e as séries de época, de modo geral, evocam esse comportamento.
Durante anos, a partir de 2000, em virtude de estudos que mostravam a relação direta entre o consumo de tabaco nas gerações mais novas e as imagens na televisão e no cinema, fumar desapareceu dos guiões ou era um ato que aparecia ligado apenas a circunstâncias de vida negativas. Recentemente recomeçou a ser normalizado.
Acredito plenamente nessa relação entre a cultura pop e o consumo. No meu caso, tenho dito bastantes vezes que nada me impele a voltar a fumar e não sinto vontade nem falta, apenas uma certa nostalgia quando vejo alguém fumar num filme ou numa série. Aconteceu-me no outro dia com o Singles, é frequente com outros filmes antigos e agora quase diariamente, sobretudo nas plataformas de streaming.
Reparem, tenho tanta vontade de voltar a fumar como tenho de voltar a jogar ao bate pé na primária, ou seja, nenhuma, mas é o poder da memória que nos transporta para momentos onde fomos felizes.
E se pudermos fazer isso sem inalar fumo, porque não? Estamos a viver cada vez mais no passado. Os remakes dos filmes, o regresso das canções, o regresso dos ídolos passados, os patins de rodas, a moda e a feliz apologia do vintage...
Será medo do futuro? Será impotência perante o presente?
Uma coisa é certa: é bom, é confortável, é reconciliador. Re-ouvir a canção da Kate Bush, Running Up That Hill, que para mim era o início ou fim da sessão na discoteca; relembrar os meus tempos de vida em cima de uma bicicleta 12 horas por dia; regressar aos objetos do quotidiano familiar dos 80; relembrar as ânsias da juventude adulta nos anos 90; querer cabelos encaracolados, não temer franjas encaracoladas; fazer as pazes com a história que só agora percebemos.
Tudo isso é alegria e não tem de ser fado.
Era uma vez…
Por falar em movimento retro potenciado pelos ícones do presente, descobri no Linkedin uma designer fantástica, Luli Kibudi, argentina a viver em Barcelona, que faz uma fusão deliciosa de meios de comunicação, tendências e objetos de época.
Sou uma das privilegiadas que fuma cigarros esporádicos e vive lindamente sem eles. Já fumei (muito), consegui sempre deixar de um dia para o outro. A última vez que deixei foi no dia 13 de junho de 2016 (porque já passava da meia-noite, mas estava nos Santos, e foi ali que me disse fumadora pela última vez).
E agora quatro! Embora o meu caso seja completamente diferente: nunca fui um verdadeiro fumador: só aprendi a gostar aos 30 e achei que já ia tarde. Fumo (mesmo muito) esporadicamente e o facto de ter um (ou dois?) maços quase completos na gaveta do móvel da entrada não é pretexto para ir lá e tirar um.