E tu, para onde queres fugir?
Tenho pensado muito nisto nos últimos dias, em como sou uma privilegiada por poder fazer escolhas e opções conscientes sobre como viver da melhor forma possível.
Agora era fazer esta estrada e esquecer que o mundo existe.
Foi o meu tweet há uns dois dias, com uma bela foto de uma estrada no Alaska (infelizmente não sei os créditos)
É isto que me apetece nos últimos dias – viajar para onde os horizontes são largos e tudo parece muito bem definido entre o céu e a terra. Ou para as cidades, sempre as cidades!, Buenos Aires, Nova Iorque, Berlim... Onde posso estar como visitante, nem verdadeiramente envolvida, nem sequer convidada, de passagem apenas, como observadora participante mas não comprometida.
Vêm-me à ideia todos os planos que tenho guardados desde há muito tempo, como visitar os faróis de todo o mundo, e viver a minha paixão por estas estruturas à beira de mares pouco recomendáveis para o estilo balnear.
Não me apetece agora ficar em letargia na areia na praia paradisíaca cheia de palmeiras, preciso de movimentar-me, de ir à descoberta de diferentes cenários e realidades estáveis, na sua existência não necessariamente perfeita, antes que alguém lhes chegue com más intenções, antes que desapareçam.
Sim, é mesmo fugir. Fugir nem que seja a imaginar que posso fugir.
E não se sentirão todos assim?
Algumas pessoas, mais fortes e combativas, não. Até sentiriam um pouco de culpa a fazer uma coisa dessas. Querem estar na frente de guerra possível, tomar decisões, esgrimir argumentos, trocar certezas.
Sobre a guerra só tenho a certeza de uma coisa – nada a justifica. Não há “sim, mas...”. Recuso-me a lidar com esses ´mas´ e com throwbacks e paralelismos insanos, que não nos guiam na compreensão e só comprovam que a paz será sempre uma coisa difícil de alcançar. Como diz a minha mãe, “está na Bíblia”.
O povo é que sofre, digo eu a frase batida que não se gasta, porque não há maneira de se gastar. E dentro do povo há escalões, o sofrimento vai subindo conforme se desce na hierarquia de forças; sobra sempre mais para as crianças, para os doentes, mulheres e desprotegidos em geral. Sobra ainda mais para quem não tem a cor certa.
Sofrem todos os que não têm o poder de escolha, essa “última liberdade humana”.
As vítimas da guerra, de ambos os lados no terreno, não têm escolha. Imagino o quão horrível é ficar assim, com pequenas sobras de escolha entre o mau e o ainda pior. Entre fugir para a fronteira A ou a fronteira B, entre levar consigo a correr as fotos de família ou o brinquedo para a criança, entre abandonar tudo o que se tem e lutar para sobreviver ou ficar e lutar para... Há sempre o poder de escolher, claro que sim, mas esse poder não é igual em todos os lugares do mundo nem em todas as circunstâncias de vida.
Tenho pensado muito nisto nos últimos dias, em como sou uma privilegiada por poder fazer escolhas e opções conscientes sobre como viver da melhor forma possível. Aquilo que às vezes nos atormenta – as dúvidas sobre os estados de vida emocional e profissional, as existenciais sobre o nosso propósito na terra – é afinal a nossa maior benção. Podemos escolher, bater com a cabeça, errar, suceder, rir da desgraça, chorar de alegria, podemos tanta coisa. Posso eu, que tenho saúde, casa e pão na arca, podes tu, que também tens isso. Podem menos os que estão limitados por doença ou outro tipo de desgraça.
Nós, os sortudos, os que podemos escolher, podemos ser solidários e sofrer pelo sofrimento dos outros, verter lágrimas, dormir ansiosos, acordar angustiados e com um aperto quando deixamos os miúdos na escola, mas não tenhamos a ousadia de achar que sabemos o que realmente estão a sentir na pele todos os que agora fogem da guerra ou são forçados a combatê-la.
Sabem estes e muitos outros que já saíram de suas casas em vários locais do mundo, sem data de regresso.
Nós, os sortudos, podemos ser solidários, dar, conectar, ajudar dentro das nossas possibilidades e nível de alcance na comunidade, e podemos também viver e honrar o nosso privilégio – usufruindo do tempo em família e com amigos, de tempo para nós, de procurar o melhor trabalho, de tratar da nossa saúde, de consumir de forma consciente, de procurar e fazer a nossa paz interior e nas nossas comunidades. Tal como a minha mãe quando diz “está na Bíblia” está ciente que nunca haverá harmonia total entre os povos, também eu não acredito na paz no mundo. Acredito na sua busca incessante, que nos deve estruturar e às instituições que governam e lideram o planeta.
Toda a nossa compaixão e ativismo - que nunca cessem e parem de manifestar-se! -, vivem em paralelo com a realidade que é o que é, boa para uns, má para outros. Nem sempre boa e nem sempre má, nada dura para sempre em nenhuma das nossas vidas. Adorei, a este propósito, ler isto, que descobri no Instagram da minha amiga E.
Coisas que tenho procurado fazer para viver melhor nesta época pandémica e geo-politicamente confusa e aterradora (para dizer o mínimo):
Tenho evitado ver muitas notícias na televisão.Para quem tirou um curso de Ciências da Comunicação e em tempos ainda pensou ser jornalista, pode parecer uma coisa menos fixe de se dizer, mas estar informado não passa por ver notícias em contínuo. Há um artigo de 2016 que explica bem os benefícios desta prática.
Desliguei-me de alguns grupos de whatsapp com amigos mais opinativos e intensos. Eu sei, eles são amigos, bem intencionados e quero-lhes muito bem, mas estou sem paciência e energia para participar numa derivação privada dos painéis de comentadores televisivos.
Eu que acho que sei coisas sobre as coisas e o melhor para toda a gente (é verdade, assumo o meu lado sabichona), tem sido refrescante e libertador não ter uma opinião formada sobre todos os temas. Ter um parecer sobre tudo deixa pouco espaço para aprender e ouvir, e cansa. Fez-me muito sentido este reminder.
Olhar menos para o telemóvel. Isto é o mais difícil. Tu aí, mobile-dependendente como eu, sabes todas as razões de cor e salteado para fazer isto e também para não o fazer. Fica a intenção.
E, voltando ao tema dos pontos de fuga que me trouxe aqui - fazer planos de viagens. Se não puder ser ao estrangeiro e ao fim do mundo, que seja cá dentro de Portugal, no bairro, na sala de cinema, no concerto, no bar, no sofá, podemos escolher tantas formas de evasão. Que liberdade maravilhosa.