As Portuguese girls
A tendência que vem do Tik Tok e tem chocado algumas pessoas mais picuinhas diverte-me e lembrou-me a história de um colar na minha juventude, quando éramos chatas e muito aborrecidas a vestir.
A década dos 20 e até mesmo dos 30, para a minha geração (nascidos nos anos 70), foi muito sem graça ao nível de moda e da afirmação de estilo. Pelo menos nos meios e grupos em que me movia.
Não nos maquilhávamos, os sapatos tinham sempre que condizer com a carteira, pintar as unhas também foi moda tardia para quem não se considerava pirosa e tínhamos vergonha(s). Vergonha do que iam pensar, vergonha de parecer vulgar, vergonha de parecer fora de moda, vergonha de segunda-mão (nem se falava nisso, credo), vergonha de repararem em nós na rua (as pessoas julgavam muito mais do que hoje a diferença).
Este texto surgiu porque vi a foto que encabeça este texto num artigo da Magg, sobre a tendência Portuguese girl que já há uns tempos venho observando no Tik Tok.
O colar de pérolas com o laço preto que vêem é igual a um que tive circa 2001. A primeira vez que o usei, no escritório, as pessoas repararam - “onde vais assim? sair à noite, casamento”? Depois usei num jantar - “Ana e os laços ahahah”, “é um bocado azeiteiro”, ouvi. Fiquei ofendida e ao mesmo tempo envergonhada. Nunca esqueci e, mais estúpido, tirei o laço preto e continuei a usar o colar simples. Não há vez que passe as mãos por esta peça, comprada numa boutique de rua que até já fechou, que não me lembre desta história com uma pontinha de raiva. Mesmo a brincar alguns colegas, e mesmo amigos, estavam a ser maldosos. Tivesse eu os ouvidos de hoje e teria feito diferente. Vou ver se encontro o laço!
A Portuguese girl e as Portuguesas e Portugueses das redes sociais
A Portuguese girl é um estilo giro e tenho uma amiga que é assim naturalmente e nem sabia - Joana, estou a falar de ti. Cor com fartura, combinações giras de padrões, mistura de roupa de inverno com a de verão (amo), cruzamento de segunda mão com vintage e peças novas de marcas mais caras (adoro), peças de bijuteria e acessórios de cabelo statement (sim, por favor). Não é uma tendência minimal e de armário cápsula, é tendência de quem tem bastantes peças e veste tudo. Mesmo que quem a tenha inventado, ou elevado e sistematizado o estilo, seja uma estrangeira a viver em Lisboa (Victoria Montanari), tem muito a ver com isto de ser Português - uma colagem; e é na colagem que somos melhores e mais livres.
As miúdas portuguesas estão a soltar-se e estão a viver a sua moda. Influencers ou influencers wanna be, isso que me importa, gosto de vê-las a serem como querem, mesmo que queiram ser iguais a não sei quem. Somos todos cópias irreprodutíveis de alguma coisa numa era digital em que reproduzir nunca foi tão fácil.
Se acho tudo bonito e todos o outfits bem? Não. Nem é suposto. Cada pessoa tem de encontrar o que lhe fica bem e como se sente bem. A moda é acima de tudo identidade. É nisto que eu louvo estas Portuguese girls, não têm medo de assumir-se e isso faz com que percebamos que há uma mudança de mentalidade nesta geração. Perdeu a vergonha de existir, ainda que exista em modo hashtag.
É claro que veio a polémica, porque não é difícil os portugueses serem pica-miolos com tudo o que possa sair do rectângulo provinciano, em que somos os melhores porque nos sentimos pequenos (Freud e séculos de História explicam). “Não vejo ninguém a vestir-se assim na rua”, “portuguese girl? ahaha as portuguesas não se vestem assim”.
Os Portugueses são uma seca.
São seca logo a começar com o património gastronómico. A bifana tem de ser assim, o prego não pode ser assado, o “nosso arroz de tomate não leva isso” e “isso não é uma francesinha em lado nenhum”… a tragédia(!), meu Deus. Quase cancelaram o Gordon Ramsey por criar uma bifana baseada na nossa cena; senhores se nem em Portugal uma bifana é sempre igual! Uma bifana de Vendas Novas e uma bifana do Porto não têm nada a ver, por ex.
Pelo mundo fora há pessoas a comerem pizza com ananás e a chamar bolonhesa a uma coisa que os italianos não comem. E imaginam a heresia que é colocar queijo creme no sushi? As batatas fritas não são french, são belgas… Podíamos ficar aqui um dia inteiro.
O mesmo com a moda. As francesas também não andam todas de boina, tshirts às ricas e gabardina bege. Os italianos não são todos como nas fotos do The Sartorialist em Milão.
A marca Portugal está a expandir-se organicamente, das ruas e das gentes para os pequenos ecrãs. As redes sociais, e o Tik Tok em particular, estão a fazer mais pela divulgação das nossas tradições e idiossincrasias do que muitos programas e agências económicas (à proporção do investimento e recursos).
É nas ruas, no som dos trolleys nas calçadas, na invasão dos nomads e dos estrangeiros que, para o bem e para o mal, cresce digitalmente a marca Portugal e seus sucedâneos - Lisboa, Porto, Coimbra…
Podemos colocar a mão na consciência e assumir que estamos (os urbanos e navegadores digitais) a viver numa bolha de trapos e sítios da moda e restaurantes com comidas modernas. Estamos. Portugal não são as pessoas que estão nas redes a produzir e consumir conteúdos diariamente. Mas as bolhas existem, e todas as marcas e cidades do mundo são criadas de bolhas. E as bolhas vão rebentando, eventualmente.