Ao lado
Há sempre uma rua, uma pessoa, um livro, uma comida, uma experiênca ao lado. E até os mais aventureiros podem falhá-la.
Vivo há dez anos no meu bairro e hoje descobri novas ruas. Calhou subir por uma que nunca tinha subido e de repente entrei por outras que desconhecia por completo.
Num passeio de pouco mais de uma hora, conheci: uma padaria que faz pão de fermentação natural onde comprei um de mistura para o R. experimentar, e onde fiquei à conversa uns dez minutos com a simpática funcionária de origem francesa sobre as virtudes do método slow bread (não sei se existe o termo, mas faz-me sentido); uma fábrica de cerveja artesanal; uma academia de cozinha; uma creche e infantário sediados num edifíco antigo cuja placa nos remete para os tempos em que a caridade tratava das “crianças desvalidas”; e uma loja de ferragens para malas, que me intrigou e onde hei-de entrar um destes dias sem qualquer motivo a não ser o de bisbilhotar.
Tudo isto me deu uma alegria inesperada e uma excitação infantil.
É incrível como ao fim de anos a viver o bairro, onde faço compras e caminho diariamente, nunca tinha dado por estes locais.
É tão fácil acharmos que já conhecemos tudo e sem qualquer razão consciente cruzarmos sempre os mesmos caminhos, enquadrados em hábitos, paisagens e percursos que tatuamos no quotidiano. Criamos dentro da nossa zona de conforto pequenas ilhas de conforto e sem nos apercebermos reduzimos o nosso mundo, achando que basta ler livros, falar com aquelas pessoas ou viajar para aquele sítios, para sermos cidadãos do mundo.
Se lermos aqueles livros, não estaremos a deixar outros livros de lado? Quando estamos com aquelas pessoas, quantas outras estaremos a perder num mar de gotas de uma mesma nuvem que nos poderiam fazer sentir em casa? E quando visitamos uma cidade, que experiências estaremos a perder por não irmos pelas ruas ao lado das ruas que povoam o nosso plano de viagem com as recomendações que nos fizeram?
Há sempre uma rua, uma pessoa, um livro, uma comida, uma experiênca ao lado. E até os mais aventureiros podem falhá-la.
Da próxima vez que sair, olhe melhor à volta, vá por aquele caminho que nunca lhe tinha despertado a atenção e que se calhar até vai levar ao mesmo sitio de destino, mas vá. Basta um centímetro ao lado para percebermos que vivemos numa ínfima amostra de multiverso.