Adeus, my Friend
Ontem percebi que a minha personagem favorita de Friends é o Chandler. É preciso a morte para percebermos as coisas? Às vezes é.
Quando Friends apareceu em Portugal em 1998 (quatro anos depois da estreia nos USA) não prestei atenção, passou-me ao lado. Na altura não via muita televisão. Em 98 estava a dar tudo na carreira profissional de dia e de noite, e quando não estava a trabalhar estava a divertir-me na noite ou alugava VHS nos clubes de video. Vivia os meus loucos anos dos 20s em Lisboa, tal como o sexteto da série o fazia em NYC.
Em 2005, quando a série voltou à RTP 2, também não vibrei. Vi alguns episódios, mas com pouca regularidade; à época era pouco propensa à televisão, mais devota de cinema e ainda muito assídua na loja Blockbuster.
Foi só a partir de 2010, por aí, que fiquei rendida e desde então tenho revisto a série incontáveis vezes, sendo das minhas favoritas para a vida.
A terrível e inesperada notícia da morte de Mathew Perry, ontem, mudou tudo. Vou continuar a rever os episódios com uma profunda tristeza, porque ao fim deste anos todos percebi finalmente que sei como responder à pergunta: qual a tua personagem favorita de Friends? Chandler Bing.
Ao longo destes anos, depois de ter conhecido o R., perguntávamos um ao outro muitas vezes isso enquanto víamos a série, e eu dizia sempre que era quase impossível responder. Gosto de todos, cada um de sua maneira! Oscilava muitas vezes entre a Mónica, porque me revejo no OCD dela e na frase I Know!, e a Raquel, porque empatizo com a evolução dela de mimada para mulher madura sem nunca desapagar do seu mimo e das suas vaidades, e oscilava entre todos, sendo sincera; a bondade do Joe, o destrambelhamento e a genuidade da Phoebe, o romantismo e a assincronicidade social do Ross. E Chandler? Chandler era a personagem por quem eu mais torcia. E foi a que teve, juntamente com a Mónica, das melhores evoluções em 10 temporadas.
O Chandler era o desajeitado com as mulheres que tudo disfarçava com sarcasmo, o patinho bonito que toda a gente via como pouco acima de feio, com o seu sentido de humor certeiro e os tiques que não deixavam ver o homem fantástico que era. Foi por amor a Mónica, num lindo volte-face do enredo, que Chandler Bing emergiu, tornando-se no companheiro ideal, pronto a acompanhar a sua mulher em todas loucuras e tendo como missão mais importante na vida cumprir todos os desejos dela. Com Chandler nunca houve um how you doing? ou we were on a break! Nem sedutor, nem vacilante.
Sim, Chandler é a minha personagem favorita de Friends.
Se tivesse sido outro dos atores do magnífico elenco a morrer ontem, eu diria o mesmo? Não.
A morte é clarificadora.
Nunca vos aconteceu ficarem surpresos com os vossos sentimentos por alguém que morreu? Muitas vezes só depois da pessoa desaparecer percebemos o quanto ela significava para nós. Não que de repente passemos a gostar mais de alguém só porque partiu desta vida, acontece é realizarmos fisicamente e emocionalmente a falta que essa pessoa nos faz. Nem precisamos da morte, basta afastarmo-nos das pessoas para descobrirmos quem são as que nos fazem mais falta. Na pandemia, por exemplo, eu percebi exatamente que pessoas me deixavam mais vazio e saudade.
O Nuno Markl escreveu hoje no seu perfil de Instagram: “Chandler, alegre pedra na engrenagem de Friends, é ouro cómico para a eternidade, momento em que actor e personagem se fundem e se tornam coisa única - como o Kramer de Michael Richards em Seinfeld. Uma pena que a vida não tenha sorrido a Matthew Perry: um actor com este talento poderia ter ficado para a História com muitas personagens diferentes. Mas as 236 meias-horas de Friends em que interpreta uma, tão perfeitamente construída, são legado e tempo suficiente em frente a uma câmara para que Perry viva para sempre.”
Mathew Perry podia de facto ter dado mais. Tudo o que vi dele depois de Friends vi por causa dele em Friends, claro, mas gostei sempre e senti sempre que podia ter ido mais longe.
Acontece muito aos atores de personagens de séries extremamente longas e bem sucedidas nunca conseguirem descolar-se do papel e jamais obterem o mesmo sucesso noutras ventures. De Friends, só Jeniffer Aniston conseguiu verdadeiramente ser mais do que Rachel, ou ser outras coisas a par de Rachel. Mesmo Courteney Cox não convenceu em Cougar Town.
Quanto a Perry, tenho a imensa felicidade de o ter visto em palco, em Londres, em 2016, na peça The End of Longing, da sua autoria.
Ia a passar na rua e de repente olhei para o lado e vi um grande cartaz da peça, com um claim retirado de uma crítica: “This is Friends for grown-ups”.
Era uma versão mais dark e mais adulta de Friends, com quatro personagens na casa dos 40 ainda a descobrir o que fazer com a sua existência. Mathew Perry era o protagonista, não só como escritor da peça como intérprete de uma história claramente inspirada na sua vida.
Em 2016, Mathew tinha 46 anos e eu 43, como não ficar para ver?
Faltavam uma horas para a sessão, e a fila já ia longa. Abdiquei de todos os meus planos e ali fiquei na bilheteira do Playhouse Theatre para conseguir um bom lugar. Passado um bocado, Mathew Perry entrou no átrio e atravessou a fila exatamente onde eu estava e pediu licença. Lembro-me que o achei com bom aspteto e compenetrado. Eu fiquei como fico sempre com celebridades - muda e meia aparvalhada - e profundamente feliz por ter passado àquela hora naquela rua à frente daquele teatro.
A peça foi boa, entretenimento puro, com seriedade e acima de tudo muita honestidade, com Perry a revelar todo o seu talento que noutra realidade com menos vicissitudes teria multiplicado. (Talvez não saibam este pormenor: além de ser o mais novo do elenco de Friends, ele foi também o único dos seis atores que teve permissão para sentar-se com os guinistas e discutir os enredos.)
Aquele final de tarde que se estendeu pela noite londrina do West End já era um dos meus momentos preferidos da vida, que agora acarinho ainda mais.
Adeus, my Friend.
A circunstância da morte dá significado a coisas nunca imaginadas.