O meu frasco de coisas boas não tem chocolates - embora na versão Forrest Gump “Life is like a box of chocolates, you never know what you're going to get” até fizesse sentido -, nem pedrinhas e conchas bonitas, nem moedas estrangeiras, nem botões vintage, nem bilhetes de concertos, nem bijuterias e enfeites.
O meu frasco tem coisas boas que me acontecem, mesmo quando só acontecem coisas más.
Há uns tempos li ou ouvi sobre esta ideia, não sei onde foi, creio que foi em vários sítios: ter um pote ou um frasco onde colocar amiúde, escritos em papelinhos, ações e acontecimentos positivos do dia. Depois, ao fim de algum tempo, ou em dias menos bons, abrirmos e lermos, e sentirmos o efeito de reconciliação com a existência.
Parece uma daquelas coisas dos coachs encartados num fim de semana instagramável, não é? Se calhar. Não tem mal, andamos todos a tentar fazer o melhor que podemos com o que sabemos e temos ao nosso dispor.
A ideia pareceu-me interessante e resolvi aplicá-la, porque é bom materializar e apalpar de alguma forma o que de bom acontece na vida. O que não se escreve esquece-se ou desvaloriza-se, confiantes que estamos na nossa memória que é tão curta, e tendencialmente pouco elástica para lá caberem mais sensações boas do que más.
Os dias não ficaram melhores desde que tenho o frasco que vêem na foto, e que está aqui do meu lado esquerdo, às vezes do direito, mas sempre na secretária, enquanto vos escrevo. O que melhorou foi a minha perceção dos dias.
O meu frasco não está cheio de “ganhei a lotaria”, “comprei uma casa”, “fui aumentada”, “ligaram-me a dizer que recebi uma herança de uma tia avó que nem conhecia”. Está pleno de encontros felizes com as pessoas que eu amo, mensagens que me fizeram rir no whatsapp, filmes que me aquietaram a alma ou elevaram o espírito, momentos de profunda benção pelo amor que vivo em casa, comidas que me deram prazer, passeios na rua, idas ao supermercado onde a gentileza de alguém me tocou. Também tenho coisas maiores - viagens, avanços significativos no trabalho, elogios recebidos, feitos de que me orgulho, ganhos financeiros.
O meu frasco é equilibrado, e é exigente.
Aceita tudo o que lá meto, mas também me leva a fazer um exercício que com o tempo tenho vindo a praticar com mais agilidade; ou seja, escrever coisas boas nos dias bons é fácil, escrever coisas boas em dias maus é do caraças de difícil. Quando tudo corre mal e só nos apetece é ficarmos debaixo da manta a chorar e a querer sair na próxima paragem desta carreira infernal que é o mundo no século XXI, que filtros arco-íris conseguimos ter? E quando tudo não corre propriamente mal, mas também não corre bem e, como diz a minha mãe, “hoje não estás para amar”? É nesses dias que o frasco chama por mim. É como se fosse uma espécie de génio da lâmpada ao contrário - não sai de lá ninguém para me satisfazer um desejo, sou eu que me enfio pelo gargalo estreito com o que desencanto dos dias.
E há sempre, sempre, sempre, pelo menos, uma coisa positiva. Por mais insignificante que a considerem.
“Não te deixes derrubar pela insignificância dos pequenos movimentos e serás homem para os grandes; se jamais te faltar a coragem para afrontar os dias em que nada se passa, poderás sem receio esperar os tempos em que o mundo se vira.” Agostinho da Silva.
E hoje vou meter no meu frasco de coisas boas “escrevi mais um texto para a minha newsletter do Substack”.
Não importa se é frasco, baú ou um mero saco... Importa sim, o "recheio de vida", e esse Aninhas, tu tem-lo, com toda a certeza!